***paz, amor e liberdade***

quarta-feira, abril 02, 2008

As filas dos serviços sociais

Dos desempregados, a última vez que os ouvi reduzidos a números eram para cima de 400 mil. É muita gente! Não admira que se espere eternidades nas repartições da Segurança Social ou no centro dos desempregados. Ouve-se dizer que 3 jornais do dia não são suficientes para distrair a espera, mesmo lendo as letras mais pequenas. Mas há sempre as cenas teatrais que se tem oportunidade de assistir! Puro entretenimento espontâneo e gratuito: é a senhora vendedora de peixe, cuja voz de forte volume se faz bem sentir, mais as suas aprendizes que normalmente a acompanham e que, não percebi ainda porquê, exibem nas orelhas umas grandes argolas em ouro (não tenho dúvida alguma que seja ouro); há também aquelas jovens mães que fazem muitas vezes ali as suas primeiras aparições pós-parto e que pelos vistos esperam na fila como todos os outros, para mal dos pecados dos ditos outros, de cada vez que a criança faz soar o seu grito existencial; algumas levam também o filho mais velho que normalmente anda por ali a correr desordenamento tal bola de flipper, à medida que a mãe vai dizendo “tá quéto, André Filipe!” – o pior é quando a já pouca paciência dela está nas últimas e lá sai uns palavrões, umas estaladas e, consequentemente, o choro da revolta. Pobres espectadores forçados da cena, que preferiam conseguir ler o seu jornal ou a sua revista “cor-de-rosa”! Há os que bufam durante as duas ou três horas que ali estão e também os que controlam o tempo que os outros demoram a ser atendidos.
Mas falar mal dos funcionários é o clássico: “elas acham que temos a vida delas” (mesmo que haja senhores no atendimento, generaliza-se sempre para o feminino); “não fazem nada!”; “ainda por cima têm a lata de ir almoçar!”; “põem-se na conversa e depois é isto! Não há respeito”. A hostilidade e os palavrões são frequentes e chegam mesmo a incomodar aqueles que acreditam que o stress de fila só piora a espera inevitável.
Há também aqueles que se gabam da vida que levam à custa do que dali recebem; há as senhoras que se juntam para falar mal das noras, bem dos genros, das qualidades dos respectivos maridos muitas vezes já falecidos, ou então comparem os seus métodos na cozinha e os seus hábitos domingueiros; há o casalinho de namorados que aproveita para se beijar insistentemente à medida que tiram fotografias um ao outro com o telemóvel, ou então que discutem pelas coisas mais parvas; há o senhor que corta as unhas (arrepiante); há sempre alguém que aproveita para explorar os barulhos do telemóvel novo; há sempre uma senhora, seja em que sítio for, que discute aos berros com alguém ao telefone para toda a gente ouvir, muitas vezes sobre assuntos que se implora para não ouvir. Há os que dormem (fantástico de observar), os que lêem e os restantes ficam agarrados ao telemóvel a trocar mensagens escritas, e toda a gente fica saber pelos irritantes sons que apitam de a todos os instantes, de todos os cantos da sala.
Já uma vez falei aqui de filas, mas como estas realmente não há igual! Riquíssimas! De uma diversidade socio-cultural estonteante, que pode (eu diria mesmo ‘deve’) ser observada de forma analítica positiva, porque afinal de contas é desta generalidade que se retiram as características de uma sociedade. E que se seria da graça deste país se não tivéssemos o senhor que cortou (em público!!) as unhas todas menos a do dedo mindinho da mão direita, ou se não tivéssemos a pronúncia característica da senhora que vende o peixe na lota de Matosinhos, ou noutra? Que seria do mito que as sogras não gostam das noras e amam os genros, se realmente não o pudéssemos alimentar de vez em quando ao escutar certas conversas alheias? Onde estaria a riqueza diferencial se não houvesse sempre um ou dois indivíduos armados em intelectuais com os seus livros ou jornais (não contando com os desportivos)? Pois! Era triste se fôssemos demasiado homogéneos.

Mas agora, que os desempregados são mais que as mães, são! É só ir a um shopping qualquer, num qualquer dia útil da semana, de manhã! Nunca se viu igual antes!